Parlamentares da oposição articulam apoio de lideranças da Câmara dos Deputados para a instalação imediata da CPI do MST na Casa. As movimentações acontecem após 1,7 mil famílias invadirem três terrenos produtivos da empresa Suzano Papel e Celulose, nos municípios de Teixeira de Freitas, Mucuri e Caravelas, no sul da Bahia.
A invasão das terras ocorreu em fevereiro deste ano, cerca de 60 dias após o início do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e durou pouco mais de uma semana. Segundo comunicado do Movimento Sem Terra (MST), as famílias “reivindicam a desapropriação imediata dos latifúndios para fins de reforma agrária” e denunciavam a monocultura de eucalipto na região e a concentração de terras por fazendeiros e empresas do agronegócio na Bahia. Os lotes foram desocupados após determinação da Justiça. Porém, o episódio cria uma saia justa para o Palácio do Planalto e dá munição para críticos do governo federal, que trabalha para viabilizar o funcionamento da comissão parlamentar de inquérito e transformá-la em um foco de desgaste para a gestão Lula 3 e aliados do petista. “Qual o papel do governo federal nessas invasões? É de omissão? É de apoio? Se não é, por que não está tomando nenhuma providência relativa?”, questionou o deputado federal Tenente-Coronel Zucco (Republicanos-RS), autor do requerimento protocolado na Câmara, em entrevista ao Jornal da Manhã, da Jovem Pan News. “Não podemos permitir [invasões] como foi em Suzano, em uma plantação de eucalipto produtiva. E mesmo que não seja, não cabe ao Movimento dos Sem Terra ou a outros movimentos de luta pela terra saírem invadindo porque eles decidem”, acrescenta o político gaúcho.
O pedido para a criação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as ações do MST foi protocolado na última quarta-feira, 15, com a assinatura de 172 deputados, uma a mais que o necessário. Além de Zucco, outros dois parlamentares (Ricardo Salles, do PL, e Kim Kataguiri, do União Brasil), buscaram assinaturas para requerimentos semelhantes. Entre os defensores da criação do colegiado, um dos objetivos é a identificação dos coordenadores e financiadores dos movimentos de ocupação, assim como a responsabilizar a “leniência” ou omissão de políticos que podem facilitar o aumento das ocorrências. “O governo federal, assim como os estaduais governados pelo PT, não tem feito medidas para coibir as ocupações. Então, quando você manda um recado para os movimentos de que não vai retirá-los, você faz um convite para a invasão de terras”, disse Salles à reportagem. Na visão do deputado, a volta dos repasses pelo Executivo a entidades ligadas aos movimentos seria um dos motivos que explicaria a alta recente das ocorrências. “No governo anterior do PT, esses movimentos tinham acesso a verbas governamentais, seja de educação, cultura, que, no fundo, eram utilizadas para financiar invasões. No governo Bolsonaro, a torneira foi fechada”, completa o ex-ministro do Meio Ambiente do governo Bolsonaro.
Os dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) corroboram com a visão defendida por Salles e mostram que, de fato, há um crescimento nas invasões desde o início do governo Lula. Em números, é possível dizer que os registros nos primeiros três meses deste ano já superam o total contabilizado durante todo o primeiro ano da gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o que acende um alerta para autoridades e lideranças do mercado do agronegócio, principalmente. Ao longo dos 12 meses de 2019 foram contabilizadas 11 invasões a propriedades rurais privadas em todo o Brasil. Em contrapartida, neste ano, em pouco mais de dois meses, o país já teve 13 ocupações. Parlamentares ouvidos pela reportagem alegam que esse crescimento nos dados motiva a abertura da comissão investigativa, bem como a apuração da relação entre a volta dos petistas ao poder e as invasões. Agora, a expectativa é que a CPI do MST seja instalada nos próximos dias e possa investigar os coordenadores dos movimentos de ocupação, os financiadores dos atos, assim como a possível omissão das autoridades. Para isso, os parlamentares articulam apoio de lideranças da Câmara e esperam contar com o aval do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). “Ele vai instalar porque é do interesse da sociedade saber o que está acontecendo. O PT já mostrou que não vai tirar o pé do acelerador desses apoios, então só tem uma maneira de colocar ordem nisso, que é instalar uma CPI para investigar o que aconteceu e evitar que aconteça novamente”, afirmou Salles.
O Palácio do Planalto acompanha de perto as movimentações e possíveis desdobramentos da comissão. Presumindo os reflexos negativos da invasão dos terrenos da Suzano, o governo tentou intervir e articular as negociações para a desocupação das terras, mas ficou longe de resolver o conflito. Em 8 de março, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, se reuniu representantes da empresa de celulose e do MST, mas, ao fim do encontro, disse apenas que a pasta iria estabelecer uma “mesa de negociações”, com o diálogo retomado. Um novo encontro será realizado no dia 28 deste mês. “O respeito ao direito de propriedade será uma tônica desses atores aqui. A Suzano reconhece as obrigações assumidas naqueles acordos (de 2011) e agora vai discutir os modos e os meios de execução, juntamente com o governo federal”, completou. Apesar dos esforços, a avaliação é que o episódio pegou mal para a imagem do governo, apontado por eleitores como conivente às invasões. O mal-estar também é reforçado pelo fato de os terrenos serem produtivos, destoando dos argumentos usados por Lula na campanha eleitoral. “Ué, Lula não tinha dito que os ‘movimentos sociais’ terroristas ‘não invadiam terras produtivas’?”, questionou a deputada Carla Zambelli (PL-SP), nas redes sociais. Em último aspecto, o Planalto também terá que lidar com as expectativas do MST, que falam, em um comunicado divulgado nesta semana, em “sinal de alerta” diante da suposta “demora do governo federal” para nomear a presidência do Incra e alertam para a preocupação das famílias em relação à reforma agraria. Caberá a Lula – e seus articuladores – atender às necessidades dos movimentos e, simultaneamente, enfrentar os reflexos políticos das invasões – dentro e fora do Legislativo.